Parte I
Educação Cultural e Ambiental
O tempo parecia melhor no dia seguinte, mas não estável o
suficiente para o hotel confirmar plenamente meu segundo dia de atividades.
Assim, em vez de canoagem e caminhadas, dei por mim novamente num 4x4.
Desta vez, o nosso guia e motorista foi o Mateus, cujo
itinerário diferia o suficiente do percurso feito pelo Vítor, para permitir uma
perspectiva diferente do interior do Algarve.
Na verdade, a grande diferença era o tempo seco.
Com apenas 30 minutos de viagem já se conseguia observar
alguma da esplêndida fauna, incluindo
a perdiz e a impressionante poupa,
notável pela sua distinta "coroa” de penas.
Mais tarde, o Mateus parou ao lado de um conjunto de
cavidades escavadas em arenito cor de ferrugem. "Aqueles são os ninhos dos
abelharucos", indicou ele. "Estas aves costumam chegar aqui quando a
lavanda começa a florir".
Lembrei-me do que o Vítor referiu sobre o mel do Algarve
e a proliferação da flora nesta altura do ano.
"As colónias de abelhas podem chegar aos 80.000
insectos”, disse o Mateus, lendo o meu pensamento. "Os pássaros apreciam o
banquete, mas sobram imensas abelhas, até para sobremesa”, brincou.
O sol foi brilhando em intervalos e o calor começou a
invadir o campo.
Fomos bem para fora do trilho de terra batida, passando
por campos preenchidos com tomilho fresco e funcho em flor. A intensidade do
sol pedia uma paragem em frente a um terreno cheio de cor, tal era a abundância
de plantas em flor e arbustos.
Ramos de jacinto azuis, narcisos de inverno e oxalis cor-de-rosa pareciam flutuar num
mar de azedas amarelas e malmequeres delicados. Algumas papoilas balançavam
gentilmente na brisa enquanto aglomerados de alcar congregavam ao longo do
caminho. O cenário era digno de uma pintura e o perfume era inebriante!
"Alguém quer um ovo estrelado?”, gritou o Mateus,
balançando num muro baixo de granito quebrado.
Intrigados, caminhamos até lá.
Debaixo dos pés do nosso motorista estava um monte de
Sargaço. Discos de grandes pétalas branco-giz rodeavam os brilhantes olhos
amarelo-limão das flores, pelo que estas se assemelhavam, de facto, a ovos
estrelados numa frigideira. Imediatamente, um par de pega-azuis dispararam
sobre as nossas cabeças, a sua canção parecia uma risada, como se ambos
estivessem na brincadeira.
Em jeito de aperitivo antes do almoço, o Mateus levou-nos
até Montes de Cima, uma pequena aldeia aninhada no interior do barrocal.
Ao chegar a uma pequena casa pintada de branco, cheirámos
o aroma pungente da fumaça que saía por uma chaminé redonda, típica da
arquitectura algarvia. Enquanto estacionávamos, o cão do proprietário latia,
mostrando o seu desagrado por ter sido acordado da sua sesta.
Tínhamos chegado à casa de campo da Rosa.
Rosa, uma octogenária vivaz de poucas palavras mas
generosa de coração, tinha aprontado uma garrafa de Medronho, uma bebida
espirituosa maravilhosamente suave, semelhante a brandy, feita a partir de
medronho e adoçada com mel.
O Mateus serviu um copo a cada um de nós. Para absorver o
álcool, foram oferecidos deliciosos figos secos, e fomos convidados a abrir
amêndoas, usando um martelo velho para quebrar a casca. Depois de uma breve
visita ao jardim da Rosa, que tinha um limoeiro com um aroma delicioso,
despedimo-nos alegremente e partimos para a aldeia vizinha de Tôr.
Almoçámos n’ O Monte, um dos restaurants mais conhecidos
de Tôr, onde nos foi servido porco assado, batatas fritas e salada, acompanhados
por um agradável tinto da casa. A sobremesa foi um simples prato de laranja
laminada, talvez a mais doce e sumarenta que alguma vez provei.
Assim que o Land Rover se aproximou do fim de uma estrada longa e difícil, o Mateus travou de repente.
"O homem nu!”, exclamou.
Olhámos uns para os outros, um pouco confusos.
O nosso motorista já estava fora do jeep, abaixando-se e arrancando algo do chão. "Deixem mostrar-vos como é que um homem nu se parece”. As senhoras do nosso grupo riram-se.
Ele abriu a porta do passageiro e inclinou-se.
Pousada na sua mão estava uma pequena flor com pétalas de filigrana cor de lilás.
"Esta é a flor dos macaquinhos (em inglês, Naked man orchid – orquídea do homem nu), uma das orquídeas mais bonitas e mais comuns que se pode encontrar no Algarve”.
Uma vez mais, o sentido de humor do nosso guia apanhou-nos desprevenidos. Existem cerca de 30 espécies diferentes de orquídeas selvagens no Algarve. Exemplos conhecidos incluem a família das fascinantes orquídeas-abelha, que espantam os curiosos com a sua semelhança ao insecto. Igualmente fascinantes são as fabulosas orquídeas-vespa, cujas pétalas assemelham-se a uma palete de Van Gogh’s.
O Mateus, tal como o Vítor, mostrou ser um guia conhecedor e amável, e depois de termos explorado a bela vila de Alte – a última paragem do roteiro – reclinámos os nossos assentos para a agradável viagem de volta à costa.
À noite, no hotel, analisei o programa da Algarve Nature Week. Faz sentido que se lancem atividades em Abril, no auge da Primavera. O timing também ajuda a combater o problema de sazonalidade da região, atraíndo turistas que, de outra forma, teriam esperado pelo verão para viajar até ao sul de Portugal.
Mas mais que isso, a iniciativa promove um Algarve menos conhecido, uma região incrivelmente bonita onde persiste um estilo de vida calmo e de costumes e onde somos genuinamente bem recebidos.
Na verdade, é um exercício de consciência cultural e ambiental, em todos os aspectos.
Brindei com um copo de vinho, um tinto da Quinta do Barranco Longo, aqui no Algarve. Esperem lá, vinho do Algarve?
Ah, isso é outra história.